O Samba é, possivelmente, o mais nacional dos ritmos brasileiros e também o mais democrático, pois atinge todas as camadas sociais do país. É também um dos mais ouvidos, regravados, cantados em karaokês e em festas de família, o que, mesmo com certa desafinação, ajuda a não deixar morrer – com o perdão do trocadilho – esse que é um som verdadeiramente popular. E quando se fala de afinação, o Grupo Vocal Gogó à Brasileira dá aula e não deixa o samba morrer de jeito algum, e eu pude atestar isso no dia 17 de setembro, dentro do charmoso Teatro Fernanda Montenegro.
O que sucedeu foi a segunda edição de um show realizado em outubro de 2022, chamado “O Samba nosso de cada dia: do morro a bossa nova”, que traçava uma linha do tempo na história do ritmo, desde suas origens marginalizadas até chegar à companhia de Tom Jobim e de Vinícius de Moraes. Esta nova versão, com o subtítulo “Desde que o Samba é samba”, leva o público numa viagem que parte dos anos 60 até os atuais, regada do melhor que o samba tem para oferecer, tudo com uma afinação e sintonia entre os cantores tremenda. O mesmo deve ser dito da banda talentosíssima regida pelo maestro, arranjador e diretor musical do grupo, Anderson Nascimento, que os acompanha no piano. O homem é uma potência!
Sobre os 26 intérpretes, estes não precisam de comentários meus para terem sua técnica e capacidade atestada, basta apenas ouvi-los! Possuem vozes potentes e são muitíssimo bem ensaiados, podendo realizar trocas deliciosas entre si. Eles cantam clássicos de Chico Buarque, Martinho da Vila, Benito de Paula, Jorge Aragão, Alcione, Clara Nunes e até do querido sambista paranaense Palminor Rodrigues Ferreira, o Lápis, com todos os números intercalados por estrondosos e merecidos aplausos. Mas não foi só isso.
Dentre os altos do magnífico show, destacou-se a participação silenciosa de Marcelo Bittencourt, artista que pintou um quadro ao vivo inspirado no que se passava no palco. Também se aproveitou para comemorar o aniversário de Bruno Rodrigues, um dos destaques do grupo. Que gogó!
Infelizmente, minha única observação é que falta diversidade étnica no elenco, já que praticamente todos os cantores são brancos, mesmo cantando músicas que refletem a realidade negra do Brasil.
Mas como se não bastasse toda a apoteose, em determinado momento, o palco encheu-se com a presença de um grupo de capoeira – de cujo nome eu, infelizmente, não me recordo -, o qual se apresentou durante a interpretação de “Berimbau”, de Vinícius de Moraes, levando a plateia à loucura! O grupo também sabe aproveitar muito bem a participação da plateia, que não se continha em cantar, bater palmas e até levantar.
Para finalizar, um relato ainda mais pessoal. Logo a minha frente, na altura de meu joelho, havia um menino que não aparentava ter mais de 6 anos. Ele brincava com dois carrinhos no degrau da plateia. Com a hiperatividade infantil, ele jogava os carrinhos e caminhava eventualmente para muito perto do palco, o que enfurecia sua mãe. E algumas ocasiões, porém, pude vê-lo totalmente inerte nas músicas e na interpretação do elenco. O mesmo ocorreu durante o bis, com “Mas que nada”. Já no fim da festa, com a cortina prestes a fechar, o espectador mirim estava sentado junto a seus carrinhos ainda no degrau, mas com os olhos fixos no palco.
É esse, senhoras e senhores, o poder que o samba e a música brasileira têm: o de cativar do mais velho ao mais jovem, e isso é mérito deste maravilhoso grupo vocal! Quando o encantamento terminou, ecoaram em minha mente os versos de Sérgio Mendes na canção bis: você não vai querer que eu chegue no final!
Rodrigo Moreira Wozniack
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